Pular para o conteúdo principal

Antes do Amanhecer

       Vampiro. Imortal. Mentira...
      A sensação de poder ilimitado, ser soberano sobre o tempo, sobre o existir, é mais uma ilusão. Tudo é finito em algum momento. Tudo acaba.
     Por muitos anos, séculos até, esse sentimento de onipotência me embriagou. Fui onipotente, absoluto, intocável, inumano. Quase tão imenso quanto meu ego.
     Dispus de inúmeras vidas, rasgando-as para sorver suas almas, rubras e molhadas, descartáveis. Sedento, sempre sedento.
   Ao longo dessa imensurável existência, confundi divindade com eternidade. O fato de estar aqui permanentemente não me faz superior às outras coisas do mundo, como o vento, as montanhas, ou o mar aqui a minha frente.
     Vejo que sempre fui uma força da natureza, ceifando vidas e devastando, como uma praga. Sem direção nem objetivo, seguindo por instinto e pelo prazer de exterminar.
     A vontade que eu julguei ser minha, na verdade era a necessidade guiando meus atos. Fui instrumento da destruição, pura e simples.
     Mais uma peça no quebra cabeças, como os grão de areia desta praia, como o corpo desta jovem em meus braços.
     Tudo tem seu ponto de ruptura, onde a estabilidade se torna difícil de permanecer, até ceder, quebrar, explodir... mudar!  Vulcões, geleiras, rios, animais, sentimentos...
     A imortalidade é impessoal, fria, distante. No momento em que os olhos dela se espelharam nos meus, o calor ressurgiu. Depois de um tempo gélido infindável, eu sabia o que era sentir novamente. A mortalidade batia à minha porta.
     Tudo o que somos, o que temos, é feito de escolhas. Somos moldados por elas. Assim como os edifícios às minhas costas, com suas janelas acesas e apagadas desenham uma constelação improvável, um desenho ímpar.
     O que chamamos de vida é feito por tudo o que fizemos e deixamos de fazer, pelas pessoas que nos acompanham e as que deixamos para trás. Escolhas.
     Minha chance de mudança estava à minha frente, nesta bela jovem olhando direto para mim. Talvez mais uma presa em meu abraço, esperando pelo beijo fatal.
     O horizonte se torna alaranjado. Tudo a minha volta se colore de âmbar. O vento brinca com os cabelos dourados dela no meu rosto. Os prédios atrás de mim se incandescem.
     O calor à minha volta se equipara ao que sinto por dentro, com o sangue dela ainda quente.
Eu sabia que não resistiria. Não é nada fácil mudar o que você é, de uma hora para outra. Mesmo ciente das conseqüências.
     Também sei que não há mais volta. Não é possível abraçar o frio novamente. Só me resta esperar o sol...

Comentários

Tsu disse…
Olá, Robson!
Poxa obrigada pelo comentário!
Poxa bacana encontrar mais alguém que se dispoe a falar de Kick Ass! Eu tenho a HQ e o filme..e estou correndo atrás da trilha sonora. Eu curti o filme por causa da Hit Girl e do humor a la Tarantino.
bye ^^

http://www.empadinhafrita.blogspot.com
Anônimo disse…
Muito bacana essa postagem! Vou vir aqui sempre. Parabéns!
(www.skoob.com.br/perfil/irrefletido)
Pablo Gonzalez disse…
gostei do tempo gélido infindável, eheheh... abç!
Mica disse…
Muy bueno!!!
Muitas referências aqui. Uma mistura de Jesse com Lestat?
Curti bastante, é bom transformar poesia em prosa, dá uma chacoalhada nos nossos neurônios.
Bjo
Robson Souza disse…
Obrigado pelos comentários! Em se tratando de vampiros, sou muito mais Anne Rice.
Valeu!

Postagens mais visitadas deste blog

Let's Get Lost - Chet Baker

      Chet Baker foi um dos maiores músicos de jazz da história. Cantor e trompetista fenomenal, menos virtuoso e muito mais cool que boa parte dos jazzístas da época. Ele transbordava sensibilidade e musicalidade em sua obra. E esse documentário maravilhoso faz jus a seu imenso talento.        Todo em preto e branco, com belíssimas imagens, o filme é mais poético que documental. Ele traça toda a turbulenta história de Chet de forma não linear, não se preocupando de início em contar a vida dele, mas em seduzir o espectador com sua música e seu charme.        Os depoimentos são intercalados por cenas de Chet cercado de mulheres e admiradores (entre eles um Flea garotão), e a bordo de um Cadillac conversível, além de muitas imagens dele jovem. As partes mais duras do histórico do jazzista são deixadas para o final: suas prisões, o vício em heroína, o incidente que o fez perder vários dentes e o abandono da ex-mulher e seus quatro fi...

Refresco

      Como falei numa outra postagem ( aqui ), tenho compulsão por discos, músicas. Minha não tão nova compulsão são os livros. Não resisto a uma promoção de R$ 9,90 sem comprar mais um!       Numa destas incursões aos livros promocionais, me deparei com este: Refresco. Confesso, c omprei esse mais pela capa do que pela sinopse.         O assunto é muito interessante: propaganda subliminar levada a extremos para o lançamento de um novo refrigerante.  A trama é bem envolvente, contada sob a ótica de 3 personagens. A cada capítulo muda-se o ponto de vista. A história é bem escrita e bem desenvolvida, mas achei o final muito abrupto.  O autor poderia finalizar melhor o livro, tudo fica muito a resolver.  Dá impressão que houve pressa ou falta de imaginação para se terminar bem a história.              Não vou contar o que acontece, mas algumas coisas ficam mal resolvidas. Senti que ao longo...

Jackson Pollock - A História (De Mentira)

      Jackson Pollock foi um pintor norte-americano expressionista abstrato. Inovador, ele não usava pincéis ou cavalete. Sua técnica consistia em gotejar ou espalhar a tinta sobre a tela com diversos instrumentos, estando ela no chão. Esta forma de pintura se chama action painting ou gestualismo.       As obras dele são densas, cheias de nuances. Nunca vi um quadro dele pessoalmente, mas em foto, o efeito das camadas de tinta é de uma textura rica, com profundidade. Adoro arte abstrata! Minha mãe é artista plástica e eu gostaria muito de ter herdado esse talento dela.       Abaixo, algumas telas de Pollock:         No excelente site sobre arte, mídias e tendências: updateordie.com , vi esta bela animação francesa de Léo Verrier. Uma homenagem em curta-metragem a esse grande artista, Jackson Pollock. Deslumbrante! Dripped from ChezEddy on Vimeo .